18 abril 2010

Chuva.


Lembro de sentir frio e fome. Estava chovendo. Estávamos todos debaixo do toldo daquela banca para nos abrigarmos, mas ainda assim eu sentia o ar gelado tocar e sacudir as minhas entranhas. O violão ajudava, não deixava a monotonia tomar conta do momento. Os garotos tocavam, animados, e eu apenas ouvia. Não que eu estivesse completamente alheia a tudo, até porque o frio fazia questão de lembrar que eu estava no meio da rua às três horas da manhã toda vez que uma brisinha soprava e me arrepiava. Ele tirou a camisa e correu pra debaixo da chuva, correndo por todo o parque. O porquê eu não sabia, mas quando voltou tomou minha mão e me puxou pra fora da proteção do toldo. As gotas de água, grossas e pesadas, em poucos segundos, encharcaram a minha roupa, que se colou ao meu corpo e me provocou ainda mais frio. Ele me puxou pra longe e não soltou a minha mão. Na verdade, ficou me encarando enquanto a apertava. Seus cabelos molhados quase cobriam os olhos, de modo que eu não consegui sequer imaginar o que se passava na cabeça dele. Ficou ali por quase um minuto, sem fazer ou dizer absolutamente nada, e eu desconcertada. O lado positivo? Eu não podia ficar mais molhada do que já estava. Meus dentes trincavam. Mas não precisei esperar muito mais que isso, já que ele interrompeu toda aquela tensão inclinando o rosto na minha direção e encostando suavemente seu nariz sobre o meu. Esfregou-o ali, parecia estar concentrado em sentir o meu cheiro. Em meio ao frio deserto, seus lábios mornos foram a minha chama. Ele girou o rosto para o lado, de modo a encaixar-se perfeitamente ao meu, e depositou a mão sobre a minha cintura. Meus olhos foram lentamente se fechando e eu senti o meu corpo ser tomado por uma sensação estranha, mais como uma ansiedade aliviada. Uma das minhas mãos correu seu peito nu e repousou em sua nuca, cravando as unhas suavemente sobre sua carne. Meus lábios entreabriram-se sutilmente, à medida que sua língua quente os adentrava sem cerimônias e brincava de entrelaçar com a minha. Senti sua mão apertar forte no meu quadril. Minha mão livre subiu pelas suas costas e também repousou ali, firme, enquanto eu puxava a sua carne com as unhas. A dele, por sua vez, chegou à minha nuca e puxou os meus cabelos para baixo com certa força, o que fez com que meu rosto se erguesse por conseqüência. A água da chuva sobre nosso cabelos e escorria por nossa face até chegar ao encontro dos nossos lábios, adentrando pelas frestas e participando da mistura quente que havia ali dentro. Minha mão que estava na nuca dele subiu até a metade de sua cabeça, quase sem cabelo, e puxei ali com as unhas também. Eu sabia exatamente o que o fazia perder o controle, embora eu achasse piamente que tudo aquilo só estava acontecendo justamente porque o controle dele tinha sido abalado. Quando nos separamos eu estava tremendo de frio, meus braços, minhas pernas, meus dentes. Ele não disse nada, apenas me tomou pela mão e voltou pra debaixo do toldo. Todos pareciam perplexos com a cena que acabaram de presenciar, talvez por sabiam o quanto ela relutava em acontecer. Ele remexeu na sua bolsa e apanhou uma camisa preta, estendendo na minha direção sem me olhar. Demorei a aceitar, argumentei que ele sentiria frio e que precisaria dela pra voltar pra casa. Ele nem me respondeu, apenas ergueu a peça e enfiou pela minha cabeça, ajudando-me a encaixar os braços nas laterais. O que será que estava acontecendo ali? Me puxou para sentarmos no chão e tomou ambas as minhas mãos entre as suas, esfregando-as uma contra a outra, e depois colocando-as em sua face. Estavam quentes, sim. Não é verdade que a chuva leva embora todas as frustrações?

Nenhum comentário: