20 agosto 2008

O que os anos não trarão mais.

Mais cedo, havia ido com a mãe ao médico do outro lado da cidade. Fazia tempo que as duas não ficavam sozinhas, embora não trocassem uma palavra sequer quando isso acontecia. Haviam se distanciado fazia quase um mês, a mãe sempre ocupada com os seus problemas de adulto, e a filha mal humorada e melancólica por problemas com o namorado. Esperaram um pouco até serem atendidas pela médica, Dr. Adriana para ser mais específica, que lhes disse que a garota estava muito abaixo do peso e precisaria fazer alguns exames para confirmar ou não uma suspeita sobre algo mais grave no estômago. Depois que saíram e as duas entraram no carro, a mãe recebeu uma ligação do irmão, avisando que o quadro de seu pai na UTI havia piorado e que haviam problemas no plano para cobrir os gastos. Aquilo foi o bastante para deixá-la alterada. Gritou com a mulher que passava com o carro atrás dela, xingando-a com vocábulos de muito baixo calão e buzinando freneticamente para que ela saísse de seu caminho. Ainda assim, não pôde agilizar nada, pois a rua estava completamente engarrafada. Depois de quase uma hora de espera e de muito nervosismo, conseguiu chegar à avenida que dava acesso a sua residência. Pediu a filha que comprasse algo para comer e fosse para casa, frizando que era muito importante que ela o fizesse, principalmente depois do que a médica havia dito. A garota concordou e despediu-se, entrando no shopping.

Não precisou esperar muito, pois a fila andava rápido. Comprou uma massa e um refrigerante e voltou para casa, bem ao lado. Encontrou com as amigas, mas reparou algo de diferente: O grupo todo estava reunido, em uma oportunidade única. Amigas de infância, que se separaram graças às peças da vida, e agora graças a talvez a essas peças, estavam novamente juntas. Receberam a ruiva com um abraço apertado, e começaram a contar as novidades. Uma delas, a morena, falava sobre o término de seu namoro de um ano há um dia atrás, e de como isso a estava afetando, na verdade quase nada. A ruiva aproveitou para comentar que também estava passando por uma situação do tipo, uma separação, enquanto sentava e começava a comer, pois sabia que aquela conversa iria longe. Minutos depois, a empregada de seu apartamento grita da janela dizendo que sua mãe mandara que ela subisse, e em resposta, um "Diga a ela que eu já subo" foi o bastante. Isso repetiu-se por mais três vezes, até que a garota enraiveceu-se e mandou um "diga que eu morri", mas logo se corrigiu e frizou mais uma vez que logo subiria para casa. Após mais alguns minutos, a empregada aparecia à sua frente com o celular na mão, e ao pegá-lo, ouviu berros desperados da mãe, xingando-a e ameaçando que quando chegasse, iriam ter uma conversa muito séria. Subiu, sem mais cerimônias, e terminou sua refeição sentada no seu quarto. Algumas horas depois, a mãe chegou em casa e logo adentrou o quarto da filha, onde a mesma se encontrava rabiscando qualquer coisa em um pedaço de papel. Não hesitou em atacá-la com palavras grosseiras e xingamentos, tão logo começara a chorar. Alegou que havia pedido uma coisa e ela não havia feito, sobre os protestos da menina de que não a desobedecera. Depois, revelou o verdadeiro motivo de sua angústia: A frase que ela mandara dizer em seu momento de nervosismo. Discutiram durante horas, cada uma botando na mesa os seus motivos, as razões, os sentimentos. Houve um momento no qual a ruiva alegou que a mãe não a conhecia, e que apesar de sempre ser indagada por ela sobre sua vida, ela não nunca sabia como fazê-lo de modo que ela exprimisse confiante.

- Não é apenas perguntar e dizer "eu tentei". Sou orgulhosa, muitas vezes grosseira, mal humorada, mas porque ninguém me ensinou a ser de outro jeito. Sou fechada e reservada, gosto de resolver os meus problemas por mim mesma e quando estou numa situação assim, não gosto de ser incomodada, quero ficar sozinha pra refletir. Isso tudo, porque ninguém me ensinou a ser de outro jeito. Ninguém me ensinou como chegar e conversar, me abrir. Ninguém teve paciência pra me explicar, mesmo que demorasse um pouco e eu falhasse as vezes, a maneira certa de fazer as coisas.
- Você sabe o que é ter uma pessoa querida presa numa cama, à beira da morte, sem poder fazer nada?
- Sei. E essa pessoa estava tão longe, que eu não pude dar o apoio que eu desejava, o ombro amigo que ela precisava, o carinho que VOCÊ pode dar.
- Ah, é? E o aconteceu com ela?
- Ela morreu.

Após esse comentário, o baque caiu sobre a cabeça da mãe. Ela sentou na cama e suspirou. Começou a dizer que tinha errado muito, e que estava decepcionada por não saber de coisas desse tipo, de não ser para a filha uma amiga fiel.

- Não foi, nunca foi capaz de parar de olhar para os seus problemas de adulto e tentar entender os meus problemas de criança. Mas...não é tarde.

A partir daquele momento, ambas se abriram, a filha devagar, sem pressa, aos poucos. Revelou que apesar de não parecer dentro de casa, estava muito preocupada com o avô, embora houvesse se distanciado dele por pesares do destino, que estava infeliz quanto aos amigos e desiludida quanto ao amor. A mãe falou de sua infância, que já teve vários namorados, que já gostou de muitas pessoas, pessoas estas que ela nunca esqueceu, mas que acima de tudo temos que saber perder.

- Se o seu coração está doendo, se ele está despedaçado, se a pessoa que você ama não tem coragem para se jogar de cabeça como você e se sente vontade de chorar, não hesite em fazê-lo. Se permita chorar. Diga para si mesma "Estou com dor de cotovelo, e vou ficar o dia inteiro em casa chorando até me cansar, até essa dor passar", dor essa que pode levar um dia, uma semana, um ano, uma vida. E não se culpe por ser orgulhosa e grosseira, acho que discutimos tanto porque somos muito parecidas, eu era igualzinha a você quando tinha a sua idade. Todo ser humano erra, não se cobre tanto. Se as pessoas não são capazes de te perdoar, é porque elas não te amam verdadeiramente. Amor sempre perdoa, porque amor é amor.

E foi ali que jaziram todas as lágrimas da menina. Chorou nos braços da mãe até mal conseguir falar de tanto soluçar, até não haverem mais lágrimas para serem postas pra fora. E vice-versa, também pediu que a mãe se abrisse, que contasse como estava se sentindo. Depois de se sentir tão sozinha durante tanto tempo, finalmente percebeu que a sua melhor amiga estava bem debaixo do seu nariz, e foi burra o bastante para não notar. Foi uma noite surreal, pois ali guardavam-se momentos raros, momentos que serão lembrados pela vida toda.

Um comentário:

Dinnah disse...

Lindo.
Nem consigo falar mais nada!
Tá surpreendente.
Agora acredite, você encontrará forças (nessa fonte inesgotavél, de uma amiga) para enfrentar tudo!

Continue minha ruivona!
:*